Quando se fala em democracia, a imagem mais comum é a das eleições gerais, com milhões de cidadãos indo às urnas escolher representantes. Mas, por trás desse cenário, existe um elemento que costuma ser esquecido: o papel legítimo dos partidos políticos. Eles são a ponte entre sociedade e Estado, e sua qualidade interna afeta diretamente a saúde democrática. Sem partidos fortes, transparentes e democráticos por dentro, o processo eleitoral corre o risco de se tornar mera formalidade.
A democracia interna partidária é, portanto, um tema central. Em teoria, os partidos deveriam ser espaços de debate, formação de lideranças e elaboração de programas. Na prática, em muitos casos, funcionam como estruturas fechadas, controladas por pequenos grupos que decidem candidaturas e alianças sem consultar a base. Esse distanciamento gera desconfiança e contribui para a baixa credibilidade dos partidos junto à população.
No Brasil, essa fragilidade se manifesta em episódios recorrentes de dissolução arbitrária de diretórios, expulsões sumárias de filiados e falta de transparência nas convenções internas. Em vez de fortalecer a pluralidade, práticas autoritárias corroem a legitimidade dos partidos e reduzem sua capacidade de representar a sociedade de forma genuína. Quando a militância não tem voz, a democracia como um todo sai enfraquecida.
Vale lembrar que partidos não são meros instrumentos eleitorais. Eles são responsáveis por organizar ideias, estruturar projetos de governo e oferecer alternativas reais ao eleitorado. Para cumprir essa função, precisam garantir participação efetiva de seus membros. Assembleias abertas, eleições internas periódicas, prestação de contas financeiras e espaço para correntes minoritárias são elementos indispensáveis para um partido que se pretende democrático.
A ausência de democracia interna também afeta a renovação política. Se candidaturas são definidas de forma centralizada, jovens lideranças e vozes divergentes dificilmente conseguem espaço. Isso perpetua estruturas engessadas e afasta o cidadão comum da política. O resultado é um ciclo vicioso: partidos fechados atraem menos pessoas, e menos pessoas engajadas tornam os partidos ainda mais dependentes de caciques.
Outro ponto importante é a relação entre partidos e governança pública. Um partido que não pratica transparência e participação internamente dificilmente adotará tais valores quando no poder. Ao contrário, tende a reproduzir a mesma lógica de concentração e exclusão, agora em escala estatal. Por isso, exigir democracia interna não é apenas pauta de filiados, mas de toda a sociedade.
Experiências internacionais mostram que é possível fazer diferente. Em alguns países, as primárias abertas permitem que qualquer eleitor participe da escolha de candidatos, aumentando a legitimidade e o engajamento. Em outros, os partidos são obrigados a publicar balanços detalhados e a garantir cotas de representação interna. Esses mecanismos não eliminam disputas de poder, mas ampliam a pluralidade e tornam os partidos mais permeáveis às demandas sociais.
No Brasil, parte desse caminho já foi trilhado com exigências de transparência financeira e de inclusão de mulheres e negros em listas partidárias. Mas ainda há muito a avançar. A democracia representativa só se sustenta se os canais de representação forem sólidos e legítimos. E isso começa dentro dos próprios partidos.
No fim, partidos políticos são como espelhos da democracia. Se funcionam de forma democrática por dentro, refletem legitimidade para fora. Se se fecham em práticas autoritárias, minam a confiança da sociedade e fragilizam o sistema como um todo. Recuperar a vitalidade dos partidos é, portanto, recuperar a vitalidade da própria democracia.
