O Passaporte de Carbono: Brasília Acorda para o Jogo Geopolítico do Século XXI

Em meio ao ruído político habitual, a Agência Câmara noticiou esta semana um movimento que, para o leitor desatento, pode parecer apenas mais um item na complexa agenda ambiental do país: a aprovação do texto-base que regulamenta o mercado de créditos de carbono no Brasil. A narrativa oficial fala em “desenvolvimento sustentável” e “oportunidades da economia verde”. Uma visão correta, porém perigosamente incompleta.

Enxergar esta medida apenas como uma pauta ecológica é ter a miopia de quem lê o Financial Times pela seção de classificados. O que foi votado no plenário em Brasília não é um projeto ambiental; é a emissão de um passaporte para o Brasil competir na nova ordem econômica global. E, como em toda corrida, largamos atrasados.

Enquanto nossos parlamentares debatiam vírgulas, a União Europeia, desde o ano passado, já implementa gradualmente seu Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM). O nome é técnico, mas a tradução é simples: uma tarifa de importação baseada nas emissões de carbono dos produtos. A partir de 2026, o aço, o alumínio e os fertilizantes brasileiros que chegarem aos portos de Roterdã ou Hamburgo sem uma precificação de carbono crível e rastreável pagarão uma taxa que pode inviabilizar sua competitividade. Nosso novo marco legal não é uma escolha, é uma reação desesperada a um muro comercial que Bruxelas já começou a erguer.

A conexão vai além da Europa. Em Nova York e Londres, gestores de fundos que controlam trilhões de dólares sob o selo ESG buscam, famintos, por ativos “verdes” para investir. Sem uma regulação clara e um sistema confiável de medição e verificação, o imenso potencial do Brasil – a maior floresta tropical do planeta, uma matriz energética limpa – vaza para o ralo da desconfiança. O capital, que abomina a incerteza regulatória, migra para projetos na Indonésia ou no Congo que, mesmo com menos potencial, oferecem regras mais claras.

O que vem a seguir é o verdadeiro desafio. A aprovação de uma lei é apenas a linha de largada. A corrida real é tecnológica e de governança. Teremos a agilidade para criar um sistema de monitoramento com a credibilidade que um investidor de Singapura exige? Nossos “campeões nacionais” do agronegócio e da indústria estão preparados para a transparência radical que esse mercado impõe, onde cada tonelada de soja ou aço terá sua pegada de carbono auditada por satélites e blockchain?

O Brasil está sentado sobre o que pode ser o “pré-sal do século XXI”: uma reserva de capital natural capaz de gerar riqueza e influência geopolítica. Mas possuir o petróleo não adianta se não houver refinaria. A lei aprovada é a planta da refinaria. Construí-la em tempo recorde, com a eficiência que o Vale do Silício e a urgência que o clima impõem, definirá se seremos uma potência na bioeconomia ou apenas uma commodity na prateleira do mundo.

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