O Dilema de Brasília: Entre o Dragão Industrial e o Falcão Monetário

Nesta semana, enquanto os holofotes em Brasília se voltavam para a aprovação de mais uma etapa da reforma tributária na Câmara dos Deputados – noticiada com o pragmatismo de sempre pela Agência Brasil –, dois sinais de fumaça, um vindo de Pequim e outro de Washington, desenharam o verdadeiro campo de batalha para o futuro da economia brasileira. E, como de costume, parecemos estar olhando para o tabuleiro errado.

A notícia oficial da Câmara fala em “simplificação” e “competitividade”. Palavras bem-intencionadas, mas que soam anacrônicas diante da velocidade das placas tectônicas globais. Enquanto nossos parlamentares debatiam alíquotas, o Banco Popular da China anunciava um novo pacote de estímulos para seu setor de manufatura de alta tecnologia. Não se trata de um ajuste fino; é uma declaração de guerra comercial em semicondutores e veículos elétricos. Pequim não está jogando para competir, está jogando para dominar.

Quase simultaneamente, a ata da última reunião do Federal Reserve, o banco central americano, foi dissecada em Wall Street e revelou um tom mais duro (hawkish) do que o mercado esperava. A mensagem é clara: a luta contra a inflação nos EUA não acabou, e os juros por lá podem subir mais – ou, na melhor das hipóteses, permanecerão altos por mais tempo.

Aqui está a conexão que importa: de um lado, a China subsidia e inunda o mundo com produtos industriais baratos e tecnologicamente avançados, pressionando a já combalida indústria nacional. Do outro, os Estados Unidos “exportam” juros altos, encarecendo o crédito global, atraindo dólares que poderiam financiar nosso crescimento e forçando nosso Banco Central a ser cauteloso em seus próprios cortes da Selic, como sinalizado em comunicado do Copom divulgado pelo próprio BC.

O debate tributário no Congresso é vital, mas é uma discussão doméstica em um mundo que não espera o Brasil se arrumar. A verdadeira questão é: qual a nossa estratégia de inserção nesse cenário? Continuaremos a ser meros espectadores, reagindo aos espirros de Washington e à fome industrial de Pequim? Aprovamos uma reforma para competir em um jogo cujas regras os outros jogadores já mudaram radicalmente.

O que vem a seguir não é apenas uma questão de planilha de impostos. É sobre se teremos uma indústria para pagar esses impostos ou se seremos apenas um vasto campo de commodities digitais e recursos naturais, gerenciados por aplicativos do Vale do Silício e financiados por bancos de Nova York, enquanto usamos a tecnologia que a China decidiu nos vender. A discussão em Brasília precisa, urgentemente, levantar os olhos para além da Praça dos Três Poderes.

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