O Ar Que Aquece, A Vida Que Sufoca: A Crise Climática Tem CEP e Cor no Brasil

O sol não é mais o mesmo. Esta percepção, antes sussurrada, hoje é uma certeza sentida na pele, no asfalto que derrete e no ar pesado que invade os pulmões em incontáveis periferias brasileiras. Não é preciso um termômetro para saber que o calor se tornou mais agressivo. Basta entrar nas casas de tijolos aparentes, cobertas por telhados de zinco que multiplicam a temperatura externa, transformando lares em estufas.

A sensação coletiva que atravessa o país agora tem respaldo oficial. Conforme noticiado pela Agência Brasil, o Brasil enfrentou este ano um número recorde de ondas de calor, um sintoma agudo de uma crise climática que chegou sem pedir licença. Mas a febre do planeta não se distribui de forma igualitária. Ela busca os corpos mais vulneráveis e os territórios mais negligenciados para se manifestar com força brutal.

Enquanto a emergência climática é debatida em painéis e conferências, onde a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, corretamente aponta o desafio de aliar a pauta ambiental à inclusão social, a realidade no território expõe uma fratura profunda. A crise climática tem CEP e cor. O calor extremo castiga de forma desproporcional quem vive em moradias precárias, em áreas com pouca ou nenhuma vegetação e com acesso limitado a serviços básicos.

Essa injustiça climática é a diferença entre ligar o ar-condicionado e depender de um ventilador velho que mal dá conta do recado e ainda pesa na conta de luz. É a noite mal dormida de um trabalhador que precisa estar de pé na madrugada seguinte. É a crise de asma da criança cujo sistema respiratório frágil não suporta o ar seco e quente.

Esta realidade é ecoada por um relatório recente da ONU, que classifica, sem rodeios, a crise climática como uma crise dos direitos da criança. Para milhões de jovens brasileiros em situação de vulnerabilidade, o aquecimento global não é uma ameaça distante; é a causa direta de mais idas a postos de saúde superlotados, de dificuldade de aprendizado em salas de aula abafadas e da diminuição dos espaços seguros para brincar.

As discussões no Congresso Nacional sobre a mitigação dos efeitos do aquecimento são vitais, mas a urgência que pulsa nos territórios marginalizados parece ainda não ter contagiado o ritmo da política institucional. A verdadeira dimensão da crise climática não está apenas nos recordes de temperatura, mas na luta diária e silenciosa de milhões de brasileiros. É a prova de que as grandes pautas do país não estão nos gabinetes, mas no território, onde a desigualdade social amplifica cada grau a mais no termômetro.

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