Uma nota discreta, publicada esta semana no site do Ministério da Cultura, informou que a ministra se reuniu com uma delegação da Coreia do Sul para “estreitar laços e discutir parcerias na economia criativa”. Um mero registro na agenda burocrática da Esplanada, mas não se engane: este encontro protocolar é o sintoma de uma das mais poderosas forças geopolíticas e de consumo do século XXI batendo à nossa porta. E ela não pede licença para entrar.
Enquanto o Brasil ainda debate seu lugar no mundo através de commodities e acordos comerciais tradicionais, a Coreia do Sul, uma nação com metade da população de São Paulo e sem recursos naturais expressivos, aperfeiçoou uma arma de influência muito mais potente: o soft power embalado como produto cultural. A “Onda Coreana” (Hallyu) – que vai muito além do K-Pop – é uma política de estado, uma estratégia industrial meticulosamente planejada em Seul para dominar mentes, corações e, principalmente, carteiras.
O que começou com a exportação de música e novelas (os K-dramas) hoje se transformou num ecossistema avassalador. Os jovens brasileiros não consomem apenas o grupo BTS; eles consomem a moda usada pelos ídolos, os cosméticos que eles promovem, os celulares que eles anunciam e sonham em visitar os locais que aparecem nos clipes. É uma esteira de consumo perfeitamente integrada, que transforma admiração cultural em superávit comercial.
A reunião em Brasília, portanto, não pode ser vista como um simples intercâmbio. Ela é o reconhecimento tardio de que estamos no lado consumidor de uma balança comercial cultural extremamente desigual. O governo brasileiro, conforme noticia a Agência Brasil, celebra os números recordes da nossa balança comercial agrícola, mas não percebe que perdemos a guerra da imaginação. Exportamos o tangível, a soja e o minério, e importamos o intangível, as narrativas, os estilos de vida, as aspirações.
O que vem a seguir? A questão não é se esta onda cultural vai impactar o Brasil – ela já impacta, silenciosamente, os algoritmos do TikTok e os carrinhos de compra da Amazon. A pergunta é se aprenderemos algo com ela. Onde está a nossa estratégia de soft power? O Brasil possui uma matéria-prima cultural infinitamente rica – da Bossa Nova ao Funk, da estética de Jorge Amado à potência do nosso audiovisual. O que nos falta é a visão de Seul: tratar a cultura não como um gasto, mas como um investimento estratégico de longo prazo em influência global.
Se a conversa no Ministério da Cultura não passar de um café diplomático, teremos perdido uma chance de ouro. A Coreia do Sul não está nos procurando apenas para um intercâmbio cultural; ela está nos mostrando o mapa de um novo jogo de poder. Um jogo onde a nação mais poderosa não é a que tem mais tanques, mas a que escreve o roteiro da próxima série viciante da Netflix.